PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NA ESCOLA
Abaixo trascrevi um artigo publicado pelo promotor de Justiça Murilo José Digiácomo sobre como a Escola deve enfrentar o problema da violência. Concordo com o digno promotor ao sugerir a efetiva participação dos pais na educação dos filhos sob pena de serem enquadrados legalmente em dispositivos constitucionais e legais que obrigam estes a terem permanente participação na educação dos filhos. Contudo acho que a polícia e outros meios repressivos podem ser utilizados na escola para submeter os alunos a monitoramento eletrônico, revista pessoal e punições mais severas.
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Violência nas escolas: sugestões para o enfrentamento do problema.
*Murillo José Digiácomo
Tem sido cada vez mais comum a divulgação, pela mídia, de casos de violência nas escolas, boa parte deles envolvendo adolescentes.
Após o massacre ocorrido em Denver, Estados Unidos, em que dois jovens pesadamente armados invadiram a escola Columbine, onde estudavam, e passaram a atirar contra seus colegas, matando 13 deles e ferindo vários outros antes de cometerem suicídio, a matéria atingiu proporções de uma verdadeira histeria coletiva, dando margem a propostas das mais variadas para o enfrentamento do problema.
A primeira reação, de cunho puramente emocional, foi a de trazer a polícia para dentro da escola, com a sistemática realização de revistas em alunos, na expectativa de impedir a entrada de armas no recinto escolar.
Deixando de lado a questão da legalidade de tais abordagens, que é no mínimo altamente questionável por provocar um indevido e injustificado constrangimento a alunos que são na imensa maioria das vezes as verdadeiras vítimas da mesma violência que se pretende reprimir, reputa-se deveras evidente que não é dessa forma que o problema será solucionado.
Com efeito, o combate à violência deve buscar primordialmente suas raízes, que
obviamente se encontram além dos limites da escola, que acima de tudo precisa assumir sua missão legal e constitucional de promover, junto aos educandos, "o pleno desenvolvimento da pessoa" e "seu preparo para o exercício da cidadania" (art.205, caput da Constituição Federal verbis/omissis), e não se tornar em mais um foco de opressão e desrespeito aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.
Com respaldo nos dispositivos constitucionais que tratam da educação[1], tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) quanto a e Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96) trazem a fórmula mais adequada para o combate à violência nas escolas: o envolvimento dos alunos, de suas famílias e da comunidade, com sua integração cada vez maior ao ambiente escolar e participação efetiva no debate acerca dos problemas relacionados à escola e em sua solução.
Nesse sentido, a Constituição Federal, em seus arts.205 e 227, caput, estabelece
claramente a necessidade da integração entre família, sociedade, comunidade e Estado (latu sensu), no processo de educação de crianças e adolescentes, bem como na sua proteção contra toda forma de violência, crueldade ou opressão, sendo que disposições semelhantes são encontradas no Estatuto da Criança e do Adolescente (arts.4º, caput; 5º; 17; 18; 53, caput e par. único e 70), bem como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (arts.2º; 12, inciso VI; 13, inciso VI; 14, caput e inciso II e 29, dentre outras).
Ao invés de se fechar cada vez mais, assumindo uma execrável postura opressora e
intransigente em relação a seus alunos, não raro tratados como "delinqüentes em potencial" e não como pessoas em formação, que assim merecem ser considerados e respeitados, deve a escola cumprir a lei e abrir suas portas à comunidade, que precisa nela encontrar um ambiente saudável, onde se ensina e se pratica a CIDADANIA, que a todos pertence e que por todos precisa ser preservado.
Apenas com o envolvimento das famílias e da comunidade, como desejam a Constituição Federal e legislação ordinária já mencionadas, é que poderá a escola se desincumbir de sua elementar missão de preparar seus educandos para o exercício da cidadania, o que inclui o respeito às leis e ao próximo, lição que se for bem ministrada e assimilada por todos, reduzirá drasticamente o índice de violência não apenas dentro, mas também fora do recinto escolar, beneficiando assim toda a população.
Nesse contexto, como forma de operacionalizar os comandos legal e constitucional suprareferidos, entendemos imprescindível a atuação dos CONSELHOS ESCOLARES, que devem se tornar fóruns permanentes de debate para toda a comunidade escolar, que reunida e cônscia do papel de cada um na solução dos problemas que afligem a escola e seus educandos, por certo dividirá responsabilidades, tarefas e encontrará respostas mais criativas, adequadas e acima de tudo eficazes que a singela revista pessoal dos alunos e a transformação das escolas em verdadeiras "fortalezas", cada vez mais distantes da sociedade que deveriam ajudar a formar e transformar.
Como sugestões, podemos citar a realização periódica de seminários a fim de ministrar lições básicas sobre direitos constitucionais, legislação em geral, ética, cidadania, através das quais serão pais e alunos conscientizados de seus direitos e deveres[2], ficando cada qual ciente de seu papel na sociedade. Importante ainda articular com os alunos, seus pais e a comunidade em geral, a forma como cada um poderá agir para prevenir e combater a violência, a começar dentro de seus lares, na medida em que os pais têm o DEVER de EDUCAR seus filhos (no mais amplo sentido da palavra), e que dentre os DIREITOS fundamentais destes está o de RECEBER LIMITES[3], deixando claro a quem poderão recorrer quando tiverem conhecimento da prática ou ameaça de violência envolvendo crianças ou adolescentes, seja como autores, seja como vítimas.
A forma de atuação da polícia preventiva junto às escolas, ou mesmo a criação de
mecanismos outros de defesa contra agressões externas devem ser articuladas entre o conselho escolar e o CONSELHO COMUNITÁRIO DE SEGURANÇA, que se espera exista ou venha também a ser criado, como mais um espaço onde a comunidade irá discutir e tentar resolver o problema de violência fora do ambiente escolar.
Sabemos que o discurso é mais fácil que a prática, notadamente em função da resistência apresentada por alguns dirigentes de escolas, que não estabelecem um canal de comunicação acessível aos educandos e não permitem o envolvimento de seus pais nos assuntos relacionados à escola, sendo comum o chamamento destes apenas quando seus filhos apresentam graves problemas disciplinares, contribuindo assim para fazer das visitas à escola um "programa" altamente desagradável.
De igual sorte, muitos pais demonstram pouco ou nenhum interesse em participar
ativamente, dentro e fora da escola, do processo de educação de seus filhos, o que
representa grave violação de um dos mais elementares deveres inerentes ao pátrio poder que precisa ser a todo custo corrigida, ainda que necessária a intervenção do Conselho Tutelar e da Justiça da Infância e Juventude[4].
O desafio, portanto, é a mudança da mentalidade que hoje prevalece, a começar pela direção e corpo docente da escola, que devem ser orientados acerca dos ditames legais e constitucionais já mencionados bem como conscientizados de que seu papel na formação de seus alunos vai muito além do puro e simples ensino dos conteúdos das matérias regulamentares, pois como vimos abrange a própria formação da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania, tarefas que devem ser executadas por todos educadores com a obrigatória participação das famílias dos educandos e da comunidade, que precisa ser estimulada, quando não convocada[5], a participar da definição das propostas pedagógicas.
A partir de então, diretores, educadores, pais, alunos e pessoas outras da comunidade interessadas, reunidos num conselho escolar representativo e atuante, poderão discutir abertamente sobre o problema da violência infanto-juvenil dentro e fora da escola, enfrentando-a em suas origens, e não apenas criando mecanismos de defesa paliativos que pouco ou nenhum efeito positivo surtirão.
Em suma, longe de assumir a cômoda, porém inadequada postura de pura e simplesmente reprimir a violência dentro de seus muros, pouco se importando como o que ocorre no mundo lá fora, deve a escola ter a coragem de enfrentar o problema em toda sua amplitude e preparar seus alunos para o convívio em sociedade, respeitando-os e fazendo-os respeitar as leis e o próximo, o que se dará através da mudança da mentalidade e da forma de agir acima de tudo de diretores e educadores, que para tanto deverão contar com a obrigatória e permanente participação dos pais dos educandos e da comunidade local.
Ressalte-se que iniciativas como as acima sugeridas, tomadas no âmbito de determinada escola, não devem permanecer isoladas, mas sim fazer parte de todo um programa de combate à violência infanto-juvenil que deve ser desencadeado em cada município, a ser discutido, aprovado e patrocinado pelo Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, onde deverão ser articuladas ações entre as secretarias municipais da educação, de segurança pública (ou similar), bem como com os demais órgãos públicos municipais e mesmo estaduais afins.
Mais uma vez avulta a importância do efetivo e regular funcionamento do Conselho
Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, que como sabemos tem a indelegável e fundamental missão constitucional de formular a política municipal para a área da infância e juventude, contando para tanto com a imprescindível participação de representantes da sociedade civil organizada.
Uma vez que a escola deixe de ser um ambiente de repressão e finalmente assuma o perfil idealizado pelo legislador constitucional e ordinário, tornando-se uma entidade aberta à comunidade e voltada à formação da pessoa e do cidadão, e que o município, através de uma política elaborada pelo Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, passe a estimular e a dar suporte às iniciativas nesse sentido tomadas pela comunidade escolar[6], se estará caminhando a passos largos rumo à solução do problema, sem que para tanto tenham de ser sequer arranhados quaisquer dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, que tanto têm sofrido com toda espécie de violência nas escolas e fora delas, muitas vezes praticada justamente por aqueles que têm a missão legal e constitucional de impedir sua ocorrência.
Assim, e apenas assim, se estará prevenindo e combatendo a violência infanto-juvenil e dando a esses jovens, pessoas em formação, uma impagável lição de cidadania que se fará sentir para o resto de suas vidas.
* Promotor de Justiça
[1] Título VII, Capítulo III, Seção I, da Constituição Federal;
[2] o que servirá inclusive para acabar com alguns mitos ainda hoje existentes acerca do Estatuto da Criança e do Adolescente, que deverá ser analisado em conjunto com o art.5º da Constituição Federal, a fim de deixar claro que os direitos conferidos à criança e Ao adolescente pela Lei nº 8.069/90 não são outros além dos conferidos a TODOS, independentemente da idade, pela Lei Maior;
[3] sob pena, inclusive, de incorrerem os pais omissos em cumprir esta indelegável tarefa na prática da infração administrativa prevista no art.249 da Lei nº 8.069/90, sem embargo da possibilidade de receberem sanções outras dentre as previstas no art.129 do mesmo Diploma Legal;
[4] mais uma vez através da aplicação de sanções como as previstas nos citados arts.129 e 249, ambos da Lei nº 8.069/90.
[5] inclusive via Conselho Tutelar e/ou Justiça da Infância e Juventude, quando esgotados os recursos escolares, ex vi do disposto no art.56 da Lei nº 8.069/90;
[6] sem perder de vista a necessidade de disponibilizar medidas (notadamente as previstas nos arts.101, 112, incisos III e IV e 129 da Lei nº 8.069/90) que poderão ser aplicadas pela autoridade competente às crianças, adolescentes e famílias que delas necessitem;
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